2 + 2 =1
Sou gêmea. Sou além de gêmea, univitelina. Muito gêmea. Essa vivência somada a alguns anos como psicóloga permite-me dizer sobre as dores e delícias dessa experiência, da teoria à prática. Para tanto, precisaria de um livro. Por ora, vou ater-me a um pequeno texto que, quem sabe, servirá de aperitivo para mais relatos depois.
Das muitas dores e delícias, escrevo aqui sobre os perigos. Há em ser gêmea e também em ter filhos gêmeos a tentação de “tornar-se um”. Entendo que grande parte dos leitores não vive nenhuma dessas duas realidades, pois não são gêmeos nem têm filhos gêmeos. Porém, se pensarmos na realidade de ser um casal, talvez ajude a compreender melhor a tentação de “tornar-se um”.
Em situações romantizadas de dois bebezinhos iguais ou de um casal apaixonado, corremos o risco de cair na mesma fascinação: o par é tão parecido (lembrando das referências sobre almas gêmeas) que achamos lindo pensar que se completam e, portanto, tornam-se um só ser. Esta ideia seduz tanto que vestirmos os gêmeos iguais, por exemplo. Também, por isso, casais se animam ao perceberem similaridades entre eles. Inclusive, existem casais e famílias que curtem se vestir igual. A mensagem é a mesma: somos um mesmo ser.
Na tentativa de formar esse “ser um”, imediatamente, as identidades são perdidas. Todas as diferenças que inicialmente existiam entre aquelas pessoas se diluem em nome da fusão. Constrói-se assim um emaranhado que liga com muitos laços os dois irmãos ou o casal. Talvez, ao ler isto, você discorde por estar ainda apegado à noção de que seres juntos se completam. Entendo, eu também ainda não esclareci o que se perde. Disse que para a fusão acontecer abre-se mão das próprias identidades. Mas o que na prática seria isso?
Nesta conta, dois mais dois somam um. Está óbvio então que existem perdas obscuras. Em nome de tornar-se um, deixamos de ser um. Para sermos “caras metades”, ficamos pela metade. Eu gostava de MPB, ele de rock. Mas, para sermos almas gêmeas, precisamos assumir uma posição. Ouvimos muito rock, até o momento em que já não me lembro de que eu gostava de MPB. “Nós adoramos rock”. Não há espaço para este tipo de diferença, logo, também não há para ouvir aquilo que me trazia muito prazer antes. Mesmo que eu passe a de fato gostar de rock, não precisaria deixar de lado a MPB. Ora ouviria rock, ora MPB.
Nos gêmeos é comum que esta fusão aconteça de várias maneiras. Todos já ouviram sobre os dois lados da mesma moeda, não é?! É comum que se exija diferenças entre os irmãos. Aí, para corresponder as expectativas externas, as oposições são sublinhadas. Se minha irmã tem cabelo comprido, corto o meu curtinho. Se ela é mais falante, assumo uma postura mais introvertida. Isso porque precisamos demonstrar claras diferenças. Todavia, na prática, essas são diferenças reativas: uma é o exato oposto da outra, portanto, sem uma verdadeira identidade. Você “é” em reação “a”. São os dois lados da mesma moeda. Já dizia Caetano: “é que Narciso acha feio o que não é espelho...”